domingo, julho 30

Tokuda - Shikantaza - Excerto

No seu Shôbôgenzô Bendôwa, mestre Dogen escreveu: “Segundo a tradição autêntica de nossa escola, esta lei búdica, transmitida diretamente, é suprema ao grau supremo. A partir do momento em que vocês consultem um amigo de bem, não há nenhuma necessidade de queimar incensos, de venerar [os Budas], de invocar [Amitâbha], de se arrepender ou ler os sutras. Basta vocês se sentarem e se despojarem de corpo e espírito”.

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Esta passagem do Bendôwa diz que nós não temos necessidade de cantar, arrepender-nos, prostrar-nos, ou de recitar o nome do Buda. Nos mosteiros Zen, utilizam-se tradicionalmente os shingi, as regras puras dos mosteiros. Elas remontam ao mestre Hyakujô que escreveu um Hyakujô shingi. Há também o Zennen shingi, “as regras dos mosteiros Zen”, o Eihei Shingi, “as regras do mestre Dogen” e o Keizan, “as regras do mestre Keizan”. Todas as regras preconizam quatro períodos de zazen e três cerimônias por dia. Dois zazen de manhã depois de se levantar, dois zazen ao fim da manhã, dois zazen antes do jantar e mais dois zazen antes de se deitar. Ao todo, oito zazen por dia. Como um sesshin perpétuo. Todos os dias, sem variar. Seja agora, seja daqui a dez anos, a vida em um mosteiro Zen não muda, nem mudará jamais. Um dia ali é por toda a eternidade. E cantam-se os sutras três vezes por dia. Apesar disto, diz-se que não há necessidade de se queimar incenso e que não há necessidade de recitarem-se os sutras. Como assim?

É verdade que, de um lado, deve-se “apenas sentar-se”. Especialmente durante os sesshin, os monges não vão ao hattô, a sala de cerimônias, e eles sentam-se, comem, dormem e recitam os sutras no mesmo lugar, apenas sobre um único tatami.

Entretanto, de outro lado, recitam-se os sutras e o mestre queima incenso. Como compreender? Isto significa que ao penetrar neste âmago pelo zazen, tudo se torna zazen. No Shôdôka de Yôka daishi há uma frase em torno da qual muitos se enganam. Esta frase diz: “Sentar-se é o zen; caminhar é o zen”. Alguns interpretam-na dizendo que toda atividade é o zazen em si e que não há necessidade de se sentar. De fato, a maior parte utilizam-na para não fazer mais zazen. Alguns até praticam as artes marciais e falam delas como se fossem o verdadeiro zazen. Mas eles ignoram seu verdadeiro sentido.Não queimar incenso. No entanto, queimar incenso torna-se zazen. Depois do zazen da manhã, fazemos a cerimônia. Coloca-se a vareta no porta-incenso de uma maneira tal que os olhos da estátua de Buda, a ponta superior da vareta e nós mesmos estejamos na mesma linha. Se o porta-incenso estiver de lado, a linha se quebra e não é mais o zazen. Como está dito no Zazengi: o nariz deve estar no mesmo plano que o umbigo. Sobre o altar há dois vasos. A distância entre o Buda e cada um dos vasos deve ser igual de cada lado. Se não for, não é zazen. Como está dito no Zazengi: as orelhas devem estar no mesmo plano que os ombros, sem pender nem para um lado nem para o outro. Verticalmente ou horizontalmente, você está no centro do universo. Você é o universo e o universo é você. É precisamente este universo que se torna movimento. É o grande silêncio que se reencarna no seu corpo. A personificação deste silêncio é que chamo de reencarnação. Eu não falo da reencarnação como a vida depois da morte. Todo o mundo fala da reencarnação neste sentido. Mas, por favor, não fiquem repetindo sempre tais asneiras.